Pescaria

_ Que peixe é esse, pai?! _ O homem sabia o nome do peixe, mas disse que aquele era o peixe da sorte de quem naquele instante nascia. O menino gostou da resposta, o pai era cheio de mistério, ele ria, achava engraçada as coisas que o pai dizia ou, intrigantes, e as duas coisas juntas, às vezes.
__ E este, que peixe é?!
__ Este peixe chama tempo.
__ Pai...
__ Sim.
__ Quem batizou as estrelas?!
__ Quem batizou as estrelas é quem batizou os rios.
O menino ficou olhando longamente um rio de estrelas na noite comprida, uma ilha redonda bem no meio, lua. Ficaram em silêncio, ruído de remos... O menino, na parte de trás da canoa, com um canivete que ganhara do avô, descascava uma laranja, o homem remava.
__ Pai...
__ Sim.
__ Peixe tem casa?!
__ A casa do peixe é o mar... e a sorte.
__ E a nossa casa, também é a sorte?!
__ A casa da gente é onde a gente está... sempre.
Chegaram à praia, noturnamente vazia, o homem acendeu o lampião, depois apagou, a luz da lua dava. Puxaram a canoa para o seco. Estenderam a rede longe da maré. Peixes. Encheram um balaio pequeno. Pouco, mas suficiente. O homem olhou para o mar com muitos silêncios acumulados nos olhos, e sol, e sal, e luas. O menino olhou para o pai.
__ O que você vê, pai?!
__ O vento leste que vem.
__ Pai, é verdade que o vô agora é peixe?!
__ É.
__ E se a gente pescar ele?!
__ A gente pesca ele todo dia...
Recolheram a canoa ao rancho. Enrolaram, guardaram a rede. O menino desenhou um sol no casco da canoa com o canivete e uma letra tremida embaixo do sol. O homem colocou o chapéu de palha num galho, tirou do bolso da camisa um toco de lápis, sentou num tronco e escreveu alguma coisa num velho caderno amarelado. Ficou ruminando uns pensamentos soltos, vindo e voltando, ondas... Olhou o menino rabiscando o chão com a ponta do canivete. Divagava. Levantou-se, colocou o chapéu na cabeça do menino e com os olhos disse: vamos.
O menino gostava do jeito calado do pai, e, quando falava, era que nem o mar, cheio de profundidades e mistérios, mas também era divertido como as ondas no sol. Imitava-o a escrever em seu caderno amarrotado, rabiscando o chão com o canivete, o chão, os pedaços de madeira que achava, os troncos das árvores... Mania, dizia a mãe sorrindo de um jeito que o menino achava que o mar sorria para as estrelas, ou a lua para o mar. E ele sabia que ela gostava das coisas que o pai escrevia porque uma vez o menino acordou no meio da noite e viu o pai e a mãe conversando baixinho no quintal, perto da fogueira, o pai tocava um violão, o velho caderno do lado, no chão, aberto... E o riso deles parecia que enchia o mundo de estrelas. Ele era bem pequeno, mas lembrava. Nessa noite sonhou com o avô e baleias. Mas às vezes o pai parecia triste também. Seus olhos ficavam como os dias cinzentos de inverno, parecia que chovia neles, por dentro. Até o mar ficava estranho, diferente. Se o menino perguntava o que era, o pai sempre dizia que não era nada...
__Pai, tudo o que vai pro mar, volta?
__ Volta, mas nem sempre do jeito que foi.
__ O vô, volta?!
__ Volta, quando a gente pensa nele.
__ O que tem depois do mar?!
__ Outra praia, e gente.
E o menino ficou pensando que queria conhecer a gente que morava do outro lado do mar, um dia. Ele sabia que não existia lonjura que as pessoas não pudessem ir, se quisessem mesmo. Porque as pessoas são grandes como o mar, ele pensava, quando sonhavam. Uma vez, quando foi até a vila com o pai, ouviu um homem dizer que o mar é ruim e o pai olhou-o sério, apenas e o homem olhou para o chão e saiu, meio cambaleando. O menino ficou confuso, ele achava que o mar era bom, só que bravo às vezes, como as pessoas.
__ Pai...
__ Sim.
__ O mar é bom ou é ruim?!
__ O mar é a gente, filho.

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