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  Pescaria _ Que peixe é esse, pai?! _ O homem sabia o nome do peixe, mas disse que aquele era o peixe da sorte de quem naquele instante nascia. O menino gostou da resposta, o pai era cheio de mistério, ele ria, achava engraçada as coisas que o pai dizia ou, intrigantes, e as duas coisas juntas, às vezes. __ E este, que peixe é?! __ Este peixe chama tempo. __ Pai... __ Sim. __ Quem batizou as estrelas?! __ Quem batizou as estrelas é quem batizou os rios. O menino ficou olhando longamente um rio de estrelas na noite comprida, uma ilha redonda bem no meio, lua. Ficaram em silêncio, ruído de remos... O menino, na parte de trás da canoa, com um canivete que ganhara do avô, descascava uma laranja, o homem remava. __ Pai... __ Sim. __ Peixe tem casa?! __ A casa do peixe é o mar... e a sorte. __ E a nossa casa, também é a sorte?! __ A casa da gente é onde a gente está... sempre. Chegaram à praia, noturnamente vazia, o homem acendeu o lampião, depois apagou, a luz da lua dava. Puxaram a
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                                                                                                                       O tempo do mar          Conversava com as plantas, com as ilhas, até de longe e com os ventos do mar e do além mar... isso a menina sabia e muito mais imaginava sobre a velha, senhora, vó. Todos os dias quando a menina acordava a avó já estava de pé, café de cana já quentado e o cheiro de farinha de milho junto, rodeando.          Ela era instruída nos mistérios da terra e do mar, isso ouvia todos da vila dizerem, com um misto de respeito e espanto. Mas a menina gostava também dos silêncios da velha senhora de pele morena visitada pelo sol todo dia e de longos cabelos e tão brancos como a crista de uma onda... como as antigas ondas que traziam a canoa do pai. Em que praia será que elas batem agora?!...         Não sabia há quanto tempo morava com a vó, mas achava que era bastante pois o tempo anda diferente perto do mar, enferruja, passa lento, encrespa, bate na costei
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  Memória do mar O mar sempre a olhar nossos caminhos, mesmo em terra parece dizer o quanto nos afastamos, o quanto deixamos de ser o que sempre fomos... quase nem temos mais sal nos cabelos e nossas roupas desgastam-se sem tocar a água... Nossas casas estão longe da praia, ruindo lentamente. A terra, na qual tanto andamos e de onde colhemos o que era preciso, sem demasia, nos espreita em silêncio e já não podemos mais tocá-la, as raízes que nos uniam   a ela agora são as histórias que contamos aos mais jovens, mas muitos já não prendem seus ouvidos nelas, as cores e as tintas que as coloriam desbotam como o cal das paredes   e escorrem pela praia vazia As canoas observam lentamente o tempo comendo suas bordas, paradas longe da praia elas nem parecem canoas mas apenas um toco que a maré lança na areia, roído pelos anos. Um silêncio mareado paira sobre as praias como se fosse o mesmo silêncio que se ergue das águas depois das tormentas e vão surgi
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Haverá um tempo Haverá o tempo em que as mãos se procurarão naturalmente e não por medo, e serão menos duras e mais verdadeiras. Mais suaves serão os contornos dos silêncios e por dentro, mais amenos. Haverá o tempo em que os olhos conterão cores ainda não imaginadas pelas pessoas, mas inteiramente possíveis e plenas. Tempo em que as sementes falarão através do silencio das árvores e poetas serão os que souberem semear as esperas recolhidas em pele, voz e tempo. Transformar em gestos duradouros e serenos o que for ofensa, o que for pequeno. Haverá o tempo das palavras acontecerem pela força própria dos momentos com a naturalidade com que chegam os ventos mansos ou arrebatadores, porém, inteiros. Tempo de replantar os pensamentos, fazê-los isentos de amargor e ser ao mesmo tempo a chuva e o solo do refazimento. Renascer das solidões mais longas, não temê-las, purificar as dúvidas com a coragem de confrontá-las a qualquer momento e esquecê-las. Haverá esse tempo e será agora e será sempr
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  O guardador de navios Na solidão de um velho navio enferrujado atracado num canto do cais com a companhia apenas do mar e do vira-latas Marujo o marinheiro antigo guarda os cascos vencidos pelo tempo cargueiros, barcaças, petroleiros obsoletos no navegar dos anos Relembrando histórias de gerações de pescadores das quais ele veio no silencio cortado momentaneamente pelo ronco dos aviões cortando o oceano-céu sente ainda, mesmo atracado, o balanço do navio quando as embarcações passam ele sabe... todo navio parado sente saudades de navegar... A memória das águas. O cheiro de peixe frito do almoço solitário percorre os longos corredores carcomidos uma canção emerge do rádio... Ao pôr do sol as silhuetas dos navios abandonados se desenham nas águas calmas num estranho e silencioso diálogo O marinheiro confere as amarras que mantém o navio atracado a noite se inclina sobre o mundo ele sabe que se soltá-las o velho navio se lançará